
Por: Carlos Sánchez Berzaín - 11/12/2025
Por Sabina Nicholls/Diálogo
05 de dezembro de 2025
Na primeira parte desta entrevista, Carlos Sánchez Berzaín, diretor do Instituto Interamericano para a Democracia (IID) e ex-ministro da Defesa da Bolívia, apresentou um diagnóstico que reafirma o debate hemisférico sobre segurança e democracia na América Latina e no Caribe. Sánchez Berzaín destaca como a Venezuela deixou de ser um Estado falido e se tornou o epicentro operacional de uma máquina criminosa continental, um regime que, segundo ele, coordena o crime transnacional e é sustentado por redes de narcotráfico e estruturas irregulares que o protegem e promovem.
Nesta segunda parte, a análise adentra uma área ainda mais perturbadora, pois a convergência criminosa já não opera isoladamente. Ela é alimentada e expandida pela intervenção da China, Irã, Rússia e Coreia do Norte — atores extrarregionais que, alerta Sánchez Berzaín, utilizam essa estrutura ilícita para projetar sua influência e promover agendas geoestratégicas que aceleram a desestabilização política e de segurança em todo o hemisfério.
O ex-ministro argumenta que a América Latina não está apenas caminhando para um cenário de guerra híbrida global; ela já está imersa nele. Bases secretas de espionagem, acordos militares obscuros, controle de minerais estratégicos e a infiltração em infraestruturas críticas formam agora um tabuleiro de xadrez onde regimes narcoterroristas e seus aliados extrarregionais confrontam as democracias. O resultado, alerta ele, dependerá de ações rápidas e decisivas, pois o relógio geopolítico está correndo.
Diálogo: Atores extrarregionais, como o Irã, forjaram alianças com o regime venezuelano e infiltraram-se em suas instituições e estruturas militares. Como esse processo de infiltração funciona e em que medida a Venezuela se tornou uma plataforma que permite ao Irã e a outros atores extrarregionais projetar influência, doutrinar e exercer controle territorial no hemisfério?
Carlos Sánchez Berzaín, diretor do Instituto Interamericano para a Democracia (IID) e ex-ministro da Defesa da Bolívia: O eixo narcoterrorista composto por Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia funciona como uma plataforma para a expansão de interesses externos, e o caso mais significativo em termos de terrorismo é o Irã. Sua influência tem sido tão profunda que conseguiu introduzir mudanças culturais e religiosas nas populações onde atua. É importante lembrar que o Irã é uma ditadura teocrática e exporta essa influência com eficiência cirúrgica.
A Bolívia é o exemplo mais claro. No início do século, não havia um único minarete no país. Hoje, o Irã opera uma rede nacional de televisão, administra centros religiosos em diversas regiões e até modificou hábitos cotidianos, como a gastronomia, introduzindo pratos mediterrâneos desconhecidos há duas décadas. A questão não é julgar se isso é bom ou ruim, mas reconhecer o nível de penetração e influência política que representa.
A intervenção iraniana atingiu um ponto crítico quando assumiu o controle da chamada Escola Anti-Imperialista ALBA, criada por Evo Morales para substituir o campo de treinamento de contrainsurgência apoiado pelos EUA, especializado em guerra de contrainsurgência. Ahmad Vahidi, então Ministro da Defesa do Irã e procurado pela Interpol por seu suposto envolvimento no atentado à AMIA na Argentina, participou da inauguração em 2011. Sua presença na Bolívia foi um sinal inconfundível do tipo de alianças que estavam sendo consolidadas. Essa escola acabou se tornando um centro de doutrinação e treinamento para o terrorismo, operado por Cuba e Irã e apoiado por acordos assinados durante o governo Arce, após reuniões de alto nível em Havana.
Na Venezuela, a situação é ainda mais grave. Há áreas onde a presença iraniana ultrapassou a mera influência e se transformou em controle total. O Irã opera com liberdade estratégica, ocupando espaços dentro do aparato estatal e utilizando esses territórios como plataforma logística, política e militar para projetar sua influência em toda a região. Trata-se de um dos enclaves extraterritoriais mais preocupantes de sua presença na América Latina.
Cuba também desempenha um papel fundamental, embora com um perfil mais discreto. A isso se soma a China, cuja atividade foi documentada em audiências do Congresso dos EUA, onde foi confirmada a operação de bases de radar e interceptação eletrônica em território cubano. Na Nicarágua, o regime de Ortega reestruturou seu exército com doutrina e tecnologia russas, agora reforçadas pela China, Irã e Coreia do Norte.
Essa rede forma um bloco coeso. O que estamos vivenciando, a meu ver, é a primeira guerra global, um confronto entre ditaduras e democracias travado em múltiplas frentes. No conflito entre a Rússia e a Ucrânia, apenas os combatentes visíveis são aparentes, mas por trás da Rússia estão todas as ditaduras. O Irã contribui com drones e mísseis, a China oferece apoio total, a Coreia do Norte envia soldados e Cuba mobiliza milhares de mercenários.
Essa mesma dinâmica se reflete na América Latina. Territórios controlados por regimes narcoterroristas estão a serviço desses atores externos. São utilizados para tudo o que for necessário, da logística à expansão política. Países empobrecidos, deliberadamente mergulhados na miséria, tornam-se extremamente vulneráveis. Com poucos recursos, o terrorismo captura instituições inteiras e ameaça a soberania nacional. É assim que opera hoje o novo eixo de desestabilização global.
Diálogo: Nesse contexto, a China e a Rússia também expandiram sua influência por meio da chamada cooperação cibernética, inteligência artificial, infraestrutura crítica e projetos de defesa. Se o Irã, a Rússia e a China atuam como um bloco complementar e mutuamente reforçador no hemisfério, será que os governos latino-americanos subestimaram o impacto cumulativo dessa cooperação e investimento? E, consequentemente, o que essa convergência implica para a soberania, a resiliência democrática e a arquitetura de segurança regional?
Sánchez Berzaín: Os governos latino-americanos não subestimaram nada; caíram nas mãos do socialismo do século XXI, que, devido à sua necessidade de equipamentos e financiamento, os entregou à China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. Essa captura política abriu as portas para uma penetração extrarregional que agora é avassaladora.
A China e a Rússia controlam o lítio boliviano, enquanto o Irã domina os acordos militares e participa de projetos ligados ao desenvolvimento nuclear. Não sabemos se o urânio que sai da Bolívia ou o lítio entregue à Rússia acaba nas mãos do Irã, país que sempre obtém o que precisa para continuar enriquecendo materiais estratégicos.
Este cenário só pode ser compreendido no contexto de uma guerra híbrida global, onde dois blocos claramente definidos se confrontam. De um lado, o bloco do crime organizado, composto por regimes narcoterroristas latino-americanos e seus aliados extrarregionais, e do outro, o bloco democrático. Não se trata de uma repetição da Guerra Fria, mas sim de um confronto estratégico multidimensional.
Hoje, uma mudança visível finalmente começa a surgir em ações concretas, como a decisão da Argentina de rejeitar aeronaves chinesas, inviáveis devido à tecnologia roubada do Ocidente, e optar, em vez disso, pelos caças F-16 americanos. Esse tipo de decisão já marca uma mudança que favorece o retorno do investimento privado, da tecnologia e da presença ocidental na região.
A região começa a reagir com uma política baseada na realidade objetiva. Resta saber se essa mudança ocorrerá a tempo de conter o aprofundamento do bloco autoritário no continente.
Diálogo: Se as tendências atuais continuarem — o fortalecimento da Venezuela como um Estado criminoso, a expansão do Irã por meio de aliados, a penetração da China em infraestruturas críticas e o alinhamento militar da Rússia — qual é o cenário mais provável a longo prazo para o Hemisfério Ocidental? A região caminha para a fragmentação governada por atores criminosos ou para um campo de batalha intensificado no conflito global?
Sánchez Berzaín: Os dois pontos que você está mencionando não são cenários futuros; eles já estão acontecendo. Não se trata de algo que esteja se desenvolvendo; a América Latina já é uma zona de conflito global e uma zona de controle criminoso, não apenas por estados narcoterroristas, mas também por potências extracontinentais. Isso não é algo que "vai acontecer"; já está acontecendo, inclusive aconteceu há cinco ou dez anos.
Basta observar a dimensão dos investimentos chineses, o equipamento dos exércitos russos, as bases iranianas e os sistemas de espionagem instalados em território cubano e nicaraguense. Não me apresentem isso como um cenário futuro; é o presente.
Agora, com essa mudança geopolítica, o futuro imediato importa, e falarei em termos concretos: em 2025, o povo venezuelano deve ser libertado por meio da derrota do Cartel dos Sóis. Esse é um objetivo com um cronograma preciso. E 2026 deve ser o ano em que os grupos narcoterroristas que detêm o poder na Nicarágua e em Cuba sejam eliminados. Se isso acontecer, então voltaremos a ver as Américas como eram vistas no final do século passado.
A previsão que emergiu da Cúpula das Américas de 1994, e que dominou a década de 1990, era de que o século XXI seria o século da democracia plena, dos mercados livres e do desenvolvimento para o continente. Mas isso não aconteceu. Em vez de avançarmos rumo a esse horizonte, passamos de uma ditadura e cinco governos quase ditatoriais para nos tornarmos uma região definida por duas duras realidades: uma fragmentação governada por atores criminosos e um campo de batalha intensificado no conflito global. Porque é isso que a América Latina é hoje: estamos assolados pela insegurança, pelo tráfico de pessoas e pela infiltração política alimentada por ganhos ilícitos.
Diálogo: Por fim, o que constituiria um verdadeiro ponto de virada no confronto entre os atores estatais criminosos e a arquitetura democrática e de segurança da região?
Sánchez Berzaín: A rede de ditaduras narcoterroristas precisa desaparecer, justamente quando já estamos progredindo. Veremos uma Venezuela diferente, porque a lei está sendo aplicada. E a lei, quando apropriada, é aplicada com o uso legítimo da força. Esse é o ponto central.
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