Venezuela: a penúltima via crucis

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 23/04/2024


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O início do século XXI venezuelano será registado pela história como aquele da mais colossal destruição institucional. Processo que abriu as portas ao mais desenfreado de todos os populismos vividos pela região desde a independência de Espanha no século XIX. Curiosamente, o desmantelamento da democracia venezuelana foi levado a cabo pelas elites que rejeitaram simples e sem rodeios as ideias de competição económica e de construção de amplo consenso na política. A descentralização política e a liberdade económica foram atiradas ao mar em favor da participação na extracção de renda garantida por líderes políticos com pouco compromisso com o Estado de direito e muito menos com a democracia.

Curiosamente, o povo venezuelano não acompanhou as elites neste processo já que o grande vencedor das eleições de 1998 foi o abstencionismo, particularmente nas camadas CD e EY, ao longo deste século têm rejeitado cada vez mais o despotismo bárbaro de um regime aliado do crime organizado transnacional apoiar a via eleitoral em todas as oportunidades.

Este caminho tem sido duro, difícil e trágico, uma vez que o regime não hesitou em torturar, matar e fazer desaparecer dissidentes. Mas a sociedade civil venezuelana continuou o seu percurso democrático. Ele organizou marchas e protestos. Participou de processos eleitorais. Recolheu assinaturas para repudiar a liderança e conseguiu tomar o poder legislativo ao regime em 2015. Hoje está pronto para tomar o executivo.

Muitos analistas acreditam que as ambições democráticas da sociedade civil venezuelana serão mais uma vez frustradas. Porém, lembremo-nos do que disse Bolívar: “quando um povo decide ser livre, acaba sendo livre”. E o povo da Venezuela decidiu ser livre. Depois de muitas frustrações, hoje está agrupado atrás de uma liderança firmemente democrática e libertária. Esta é uma liderança que nunca abandonou o país e que não colocou as suas necessidades de cobrir os padrões de vida antes das de devolver a liberdade ao país. É uma liderança que sofre com os venezuelanos a tragédia da pobreza infinita; a ausência de serviços públicos para educar e proporcionar um crescimento saudável aos seus filhos. Uma liderança que acompanha as casas vazias dos migrantes. Uma liderança que respira com o país.

Essa liderança encarnada por Maria Corina Machado e hoje reforçada por Edmundo Gonzalez Urrutia está a criar um consenso político que o país só experimentou quando decidiu que queria uma democracia. Este consenso político servirá para iniciar a transição para a liberdade e a democracia, o que por si só será uma via crucis. Porque o país está devastado economicamente; institucionalmente destruída e emocionalmente desmoronada. Mas esta via crucis, como dirá São Paulo, é a da redenção porque precede a do advento da liberdade.


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