Um alfabeto para restaurar a democracia (continuação)

Luis Beltrán Guerra G.

Por: Luis Beltrán Guerra G. - 01/12/2025


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Nos últimos dias, levantamos a necessidade de um “Alfabeto para Restaurar a Democracia”, convictos de que, apesar de seus inúmeros benefícios, ela está sendo abalada e não se encontra em seu melhor momento em pelo menos alguns países. Consideremos o que foi analisado como “Considerações Preliminares” e, a partir de agora, neste e nos ensaios subsequentes, analisaremos o conteúdo das letras do “Alfabeto”. Começamos, portanto, com:

Letra “A”

Capítulo I

Uma Assembleia Nacional Constituinte

Nas “Considerações Preliminares”, descrevemos a Constituição como “aquela composta por deputados eleitos pelo povo em voto universal e secreto, para que, no exercício do poder que este, como é sabido, possui como soberano, e por meio de uma Constituição, o Estado possa ser estabelecido, organizado e disciplinado, e seus propósitos inerentes reafirmados e verdadeiramente realizados”. O texto constitucional, dada a sua hierarquia como lei suprema de um país, também é chamado de “Magna Carta”, “Lei Suprema” e “Lei das Leis”. Observamos ainda, em relação à Venezuela, que ela não escapou à tendência comum aos países latino-americanos, que, “erga omnes”, têm lutado para se criar, organizar e estabilizar com a devida eficiência, de acordo com as disposições da Assembleia Constituinte. Esta Assembleia, incluindo seus efeitos consequentes, tem sido tratada mais como uma bola de futebol que vai e volta entre as traves, sem nunca, de fato, entrar em nenhuma delas. Portanto, como sugerem os estudiosos do assunto, é preciso atribuir significado à expressão "a necessidade constituinte", ilustrando que, se não a levarmos a sério, continuaremos a nos divertir. Nós, conscientes do "caos constitucional", preferiríamos falar de "uma urgência decisiva da necessidade". De fato, a natureza urgente, e até mesmo imperativa, do tratamento que esta crise exige deve ser enfatizada.

Também tenderíamos, em prol de maior precisão, a afirmar que o "propósito" de uma Assembleia Constituinte "é construir uma república", o que complementa a observação sobre o "futebol", visto que, para a Real Academia Espanhola, "o substantivo 'propósito' refere-se ao 'espírito ou intenção de fazer algo', mas também a 'não fazê-lo', uma hipótese não ausente da nossa história, dado que ao longo dela encontramos uma profusão de tentativas de nos construirmos como uma 'república', o que parece sugerir que não foram 'assembleias constitucionais sérias', mas sim tentativas alimentadas pelo 'espírito ou intenção de não fazer algo'". Esta é a segunda interpretação que a Real Academia Espanhola atribui ao substantivo "propósito".

Algumas leituras, de fato bastante interessantes, incluindo a de Sergio Ortiz Leroux, doutor em Ciência Política pelo México (República e Republicanismo, janeiro-abril de 2007), argumentam que a criação de uma república se deparou com dois tipos de “republicanismo”. O primeiro, “radical-democrático”, abraça a democracia sem medo e sustenta que a ideia do bem comum coincide com a equação “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Também é identificado como “governo dos pobres”. A segunda abordagem, o governo dos ricos, baseia-se na oligarquia, na autocracia e em “um único líder ou grupo de indivíduos”, resultando em pouca “tolerância ao pluralismo político”. Em relação à república, escreve-se que ela deve ser associada à defesa da liberdade, para “decidir quem somos e como queremos ser”, excluindo, assim, a dominação, ou seja, ser governado por outro. Não ser governado leva à autogovernança.

Este segundo tipo de “republicanismo”, segundo Ortiz Leroux, é o de “uma sociedade de proprietários”, e, portanto, daqueles que não são proprietários, hipótese que é contestada pela noção de que “quem vive à mercê de outro não é livre, mas escravo”. Assim, a cidadania a ser construída, além de nos fornecer direitos vinculados à liberdade, exige de nós obrigações. No republicanismo liberal-democrático, o bem comum está associado ao Estado de Direito e à noção moderna de representação. A participação do povo é, obviamente, importante, mas limitada à eleição dos governantes. Eles não participam diretamente do governo, observação que leva à questão de se podem existir “repúblicas não democráticas”.

Neste sistema republicano, reafirma-se a autonomia do indivíduo perante o Estado e a predominância dos seus direitos individuais, em particular os direitos de propriedade. Isso fica evidente ao examinarmos os seus deveres para com a comunidade, que se limitam, em princípio, à proteção dos seus próprios direitos através do sufrágio. Consequentemente, a participação dos indivíduos na esfera pública reduz-se à mera expressão de interesses privados através do voto, mediando assim as preferências do eleitorado nos cargos de representação. Na assembleia, os direitos dos ricos prevalecerão, obviamente.

As considerações acima confirmam que “construir uma república” é uma questão séria e, portanto, o mesmo deve ocorrer com uma “Assembleia Constituinte”. E não menos crucial é a representação popular que a compõe. Consequentemente, deve-se concluir que “nem todos os países são repúblicas, ou pelo menos que existem repúblicas diferentes e até mesmo opostas”.

Diante desse cenário, consideremos "o contexto problemático em que a 'assembleia constituinte' na Venezuela atuou", cuja análise, ao examinarmos as numerosas e diversas tentativas, nos leva a determinar se elas foram sinceras ou "disfarçadas". De fato, desde nossa independência em 1811, tivemos formalmente 25 constituições, se incluirmos o Ato de Independência de 5 de julho de 1811 e a Constituição da Grã-Colômbia de 1821. Cabe ressaltar, a esse respeito, que o Ato de Independência não seria classificado como Constituição; contudo, para os estudiosos do assunto, ele o é, pois é o que nos constitui como povo, manifestando-se mesmo antes da independência (Grupo de estudo composto pelo professor de direito constitucional Gustavo Planchart Manrique, seu coordenador, e Manuel Caballero, Marianela Ponce, Manuel Pérez Viva Vila, Nikita Harwich Vallenilla, Fundação Empresas Polar).

Para maior clareza, lemos que o referido Ato de Independência contém duas disposições, derivadas do exercício da soberania: 1. Pôr fim ao regime colonial espanhol e 2. Estabelecer os princípios pelos quais nos afastaríamos do estatuto de colônia e nos instituíríamos como uma “república”. Essas circunstâncias, na opinião de analistas respeitados, contribuem para classificar o referido “ato” como derivado de uma “assembleia constituinte”. A primeira, convém considerar, é o primeiro de uma série de eventos sucessivos que ilustram nossa história — tantos, aliás, que é extremamente difícil encontrar uma resposta adequada para a pergunta: “Por quê?”. Este é um debate antigo com o qual convivemos desde 1811 até os dias de hoje.

É aconselhável, portanto, reconhecer que os venezuelanos, como muitos outros países, têm lutado por "instituições republicanas". E também aceitamos que a metodologia tem sido "de assembleia constituinte", em todos os aspectos, mesmo que não tenha sido formalmente designada como tal. Ou seja, aplicando os critérios substantivos (liberdade, igualdade, dignidade e justiça), nenhuma outra conclusão parece possível.

Na louvável coletânea "Constituições da Venezuela", é feita uma seleção criteriosa de textos constitucionais ao longo da história venezuelana, em busca de uma república séria, estável e eficiente. Certamente, o ilustre professor venezuelano Allan Brewer Carías, coordenador da obra, assim como os membros de sua equipe, devem ter se perguntado: "Por que tantas constituições?". Infelizmente, essa continua sendo uma pergunta difícil de responder, mesmo às vésperas de 2026. Além disso, é preciso considerar os motivos para descartar a Constituição de 1961, cuja estabilidade perdurou por quatro décadas e, com ela, a democracia mais estável e próspera que já conhecemos. Como lemos, ela substituiu a Constituição de 11 de abril de 1953 e reflete as tendências ainda vigentes da democracia ocidental, levando em conta:

1. As necessidades contemporâneas levaram a um socialismo intervencionista, em busca de um equilíbrio estável e frutífero com os antigos fundamentos liberais.

2. O espírito da nova Carta reflete um liberalismo completamente ausente da Constituição anterior, que incorporava a plena expressão de uma ditadura.

3. Cabe ressaltar que foi aprovado por um “congresso” eleito pelo povo, após o fim do regime antidemocrático.

Portanto, não é preciso muito esforço para concluir que, com base em um critério material, a Constituição democrática de 1961 foi o resultado do exercício da função constituinte. Ou seja, “o Congresso exerceu a função constituinte”. Como se tivesse sido uma “assembleia”.

É amplamente conhecido que esta Constituição foi revogada por uma Assembleia Constituinte, que estabeleceria uma sociedade democrática, participativa e protagonista, um Estado de justiça, a consolidação da liberdade, da independência, da paz, da solidariedade, do bem comum, da integridade territorial, da convivência e do Estado de Direito, a garantia do direito à vida, ao trabalho, à cultura, à educação, à justiça social e à igualdade… A República ficou conhecida como “República Bolivariana” e… fundamenta seu patrimônio moral e seus valores na liberdade, na igualdade, na justiça e na paz internacional… A Venezuela, fundamentalmente, constitui-se como um Estado democrático e social de direito e justiça, que preza como valores… a vida, a liberdade, a justiça, a igualdade, a solidariedade, a democracia, a responsabilidade social e, em geral, a preeminência dos direitos humanos, da ética e do pluralismo político… O governo… é e sempre será democrático, participativo, eletivo, descentralizado, alternado, responsável, pluralista e com mandatos revogáveis… A Constituição é a lei suprema e o fundamento do sistema jurídico.

É difícil duvidar que a Venezuela esteja hoje à beira de uma nova "Assembleia Constituinte" com o mesmo propósito: a elaboração e promulgação de uma nova Constituição, a 26ª. Nós, incluindo alguns membros da Assembleia Constituinte de 1999, pensávamos que a Constituição de 1964 seria a última, já que as constituições precisam de tempo para se consolidarem, recorrendo a emendas e reformas para adaptá-las às novas realidades. Um simples "rabisco de caneta" não foi suficiente; moro em Caracas, onde o escrivão já o fez nada menos que 25 vezes. E a pergunta mais séria é: por quê e com que propósito?

As respostas, infelizmente, são mais do que difíceis; é como se não existissem. As razões para o nosso estado atual, se é que alguma causa para a nossa “incontinência institucional” pode ser encontrada aí, foram identificadas por alguns estudiosos nas limitações que nos foram impostas pela colonização espanhola. Esse argumento é fortemente refutado no livro “Nada a Pedir Desculpas”, de Marcelo Gullo Omodeo. Em seu prólogo, escrito por Carmen Iglesias, diretora da Real Academia de História, ela afirma que o autor está correto ao afirmar que “os espanhóis trouxeram para a América sua cultura, sua religião, sua língua, sua organização social, os valores da civilização ocidental — tudo o que eram e tinham. Trouxeram consigo um corpo de leis, as Leis das Índias e outros decretos subsequentes, que permitiam aos súditos do Rei recorrer aos tribunais de justiça sob a poderosa proteção da Monarquia Hispânica, também conhecida como Monarquia Espanhola”. Pela interpretação de Dom Marcelo, parece que somos nós que devemos nos curvar diante dos espanhóis, e não o contrário.

As complexidades decorrentes da luta entre esses dois grupos, rotulados desde tempos antigos na Assembleia Nacional Francesa como "direita e esquerda", parecem ter sido estabelecidas por um Poder Superior para a eternidade. No entanto, continuam a ser utilizadas, e em Caracas, em mais de uma ocasião. Na verdade, nunca deixaram de nos enredar, e seria objetivo dizer que não nos afetaram. Incrivelmente, continuam a ser usadas, mesmo depois de tantos séculos, nas definições dos poderosos, profundamente enraizados em princípios religiosos e profissionalmente mais bem preparados, e no chamado proletariado, que inclui "o trabalhador que não possui os meios de produção e que obtém seu salário da venda de sua própria força de trabalho" — para alguns poucos escolhidos, "o verdadeiro povo", detentores da soberania e da constitucionalidade.

O próximo ensaio, seguindo a ordem alfabética, abordará "a Constituição, a Lei Suprema e o Direito das Leis". Manifestação genuína da "Assembleia Constituinte". Capítulo II do ensaio.

@LuisBGuerra


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