
Por: Ricardo Israel - 17/11/2025
Katz ou Matthei? Neste domingo, 16 de dezembro, acontecem eleições presidenciais, para o Congresso e, em parte, para o Senado, mas tudo indica que ainda não saberemos o vencedor e teremos que esperar pelo segundo turno, que ocorrerá no domingo, 14 de dezembro. Nesta reta final, há uma proibição de publicação de pesquisas eleitorais, mas, de acordo com todas as pesquisas preliminares, bem como outras pesquisas privadas recentes, o segundo turno seria disputado entre José Antonio Katz e a candidata de esquerda e ativista comunista, Jeannette Jara.
Como é de conhecimento público, em todo o mundo a capacidade preditiva das pesquisas políticas vem sendo criticada e examinada minuciosamente por ter apresentado erros cada vez mais frequentes e notórios, e, sem ir além, erraram ao prever as expressivas vitórias de Milei e Paz no primeiro turno da eleição para presidente da Bolívia.
Não há razões técnicas para duvidar do caso chileno, mas vale ressaltar que esta eleição presidencial tem três características marcantes: primeiro, o fracasso de Boric, cuja administração minou a possibilidade de seu sucessor ser alguém de seu próprio partido, devido às crises que o Chile atravessa atualmente em diversas áreas e setores.
Em segundo lugar, é incomum que as questões que envolvem esta eleição estejam todas associadas à direita, algo que não acontecia no Chile há muito tempo. Desde as eleições presidenciais de 1920, mesmo quando a direita triunfou, as questões associadas ao centro e à esquerda, principalmente de natureza social, sempre predominaram. Desta vez, a direita entrou na disputa dividida em três listas, com diferenças marcantes entre elas e três candidatos de origem chilena-alemã: a) a direita tradicional com uma candidatura de centro-direita, como é o caso hoje de Evelyn Matthei, que concorre pela segunda vez; b) uma candidatura autoproclamada libertária de Johannes Kaiser, fortemente influenciada por Milei; e c) Kast, que concorre após vencer o primeiro turno em 2021, mas perder o segundo para Boric, e que, assim como Kaiser, abraça com orgulho o legado do General Pinochet.
Em terceiro lugar, a eleição de domingo será crucial para o voto dos migrantes, já que, no Chile, os migrantes são incluídos no cadastro eleitoral após cinco anos de residência. De fato, sua presença já se fez sentir nos referendos constitucionais, bem como nas eleições municipais do ano passado, onde se mostraram decisivos em áreas densamente povoadas, incluindo o centro de Santiago.
Isso se deve ao progresso econômico do Chile e, no site Ex Ante, o analista Pepe Auth relatou que, enquanto o censo de 1992 mostrava que 0,8% da população havia nascido fora do Chile, as estatísticas indicavam que, em 2024, esse número havia chegado a 8,8%. De uma população de cerca de 20 milhões, 1.608.650 habitantes haviam nascido fora do país naquele último ano, e esses 8,8% representavam o dobro do número de 2017. Além disso, a composição dessa população havia mudado significativamente, já que em 2017 os peruanos eram o maior grupo, enquanto em 2014, 41,6% haviam nascido na Venezuela, 14,5% no Peru e 12,3% na Colômbia.
Além do impacto negativo da imigração descontrolada, especialmente na fronteira norte, essa migração teve um impacto positivo, particularmente em duas áreas: no combate à acentuada queda da taxa de natalidade, uma das piores do mundo, e no enfrentamento do envelhecimento populacional pronunciado. A Venezuela é atualmente o país sul-americano com a maior proporção de imigrantes e também com a menor taxa de natalidade. Vale ressaltar que esses imigrantes serão um fator cada vez mais influente nas eleições. Enquanto apenas 72.000 imigrantes votaram na eleição presidencial de 2021, dos 15.779.102 eleitores registrados e aptos a votar em novembro e dezembro de 2025, 5,6%, ou 885.940, são estrangeiros. A Auth explica que, se a mesma participação eleitoral do plebiscito de 2022 se mantiver, aproximadamente 540.000 imigrantes deverão votar em 2025, dos quais cerca de 160.000 deverão ser venezuelanos.
Oito candidatos disputam esta eleição presidencial, mas quem, da direita, chegar ao segundo turno terá claramente a melhor chance de se tornar presidente. Portanto, qual facção de direita triunfará será em grande parte determinado pelo paradigma que moldou as eleições chilenas desde o plebiscito de 1988, convocado para decidir sobre a continuidade do governo do General Pinochet. Naquela ocasião, o voto "Não" que o derrotou determinou vencedores e perdedores em todas as eleições subsequentes, incluindo a mais recente, na qual Boric derrotou Kast.
No entanto, algo muito importante começou a emergir no referendo de 2022, que derrotou de forma esmagadora a proposta de nova constituição, a qual buscava refundar o país de maneira revolucionária. Esta foi a primeira vez que a votação não foi enquadrada como um simples "Sim" ou "Não", direita ou esquerda, com a ditadura militar sempre como ponto de referência. Em vez disso, o voto foi direcionado mais para o futuro do que para o passado.
Num país onde o centro político tem perdido influência, como em muitos outros, na prática, se o antigo paradigma do "Sim" e "Não" se mantiver, Matthei poderia ter uma oportunidade caso, dada a crise terminal da Concertación, houvesse uma migração de eleitores centristas para a sua candidatura. Nesse sentido, houve apoio público originário desse setor. Contudo, se o que predomina é a imagem de um país em crise multissetorial e com profunda desilusão por promessas não cumpridas, seria Kast quem confirmaria no segundo turno o que as sondagens indicam e chegaria a La Moneda em março de 2026, após a respetiva posse.
Esta foi uma campanha eleitoral em que a direita sempre teve a primeira oportunidade, pois ajuda muito a vencer quando as suas próprias pautas predominam no debate público, como a violência, o crime e a imigração ilegal, aliadas a uma gestão desastrosa e a um declínio económico em praticamente todos os indicadores relevantes.
O que mudou foi qual dos três candidatos é considerado o favorito, já que a direita se preocupou mais em desacreditar suas alternativas do que em forjar uma unidade nesta situação praticamente sem precedentes. Por muito tempo, pareceu que a sorte favoreceria Evelyn Matthei, apoiada pelos partidos mais poderosos e tradicionais do setor. No entanto, tudo indica que algo semelhante aconteceu com Hillary Clinton, tanto nas primárias democratas contra Obama quanto na eleição contra Trump, em que seus apoiadores a declararam vencedora prematuramente, encarando a disputa mais como uma coroação do que como uma competição eleitoral. Tal era a confiança depositada em Matthei, com sua distinta carreira de décadas como congressista, senadora, pastora e prefeita.
Foi assim que Kast e seu Partido Republicano conseguiram alcançá-la e depois ultrapassá-la nas pesquisas. Mais do que a economia, o eleitor médio foi motivado por questões de violência e criminalidade, e as soluções mais radicais de Kast encontraram maior ressonância em muitos eleitores que normalmente não votam quando o voto é facultativo. No entanto, neste caso, como em referendos constitucionais, o voto é obrigatório, com multa significativa para quem não votar. Se as pesquisas estiverem corretas e Kast avançar para o segundo turno e se tornar presidente, isso demonstrará aquela velha verdade eleitoral nas democracias: na corrida por votos, o candidato que é ultrapassado, como em corridas de cavalos, vence. É a aplicação às eleições do princípio de que "um cavalo ultrapassado é um cavalo que venceu", o que nem é novo, já que foi dito, pelo menos no Chile, por alguém que disputou muitas eleições, como Salvador Allende.
Nesta campanha, merecem destaque Keiser, que construiu uma alternativa política crescente por meio das redes sociais, atraindo votos de outros candidatos de direita, e a candidata comunista Jeannette Jara, que superou diversos obstáculos. Primeiro, ela derrotou uma candidata mais forte nas primárias: Carolina Tohá, Ministra do Interior de Boric e membro de longa data do Partido Socialista. Tohá, assim como Matthei, havia dado como certo algo que não era. Segundo, ela conseguiu superar as limitações de um partido como o Partido Comunista, que permanece essencialmente um partido leninista e continua a apoiar as ditaduras de Cuba e Venezuela. Jara conseguiu se distanciar dessas limitações e, terceiro, conter o fluxo de eleitores desse setor devido à má gestão de Boric, tornando-se uma candidata competitiva no primeiro turno e liderando as pesquisas por meses.
Em todo caso, essas devem ser as únicas chances deles, já que o sistema de segundo turno torna quase impossível que ultrapassem o terço que a esquerda historicamente representa no Chile. Contudo, isso permite que esse setor mantenha uma presença no Congresso que não teria alcançado de outra forma, somando-se a uma direita que compete dividida e que, mesmo que consiga se unir no segundo turno, pode ter perdido uma grande oportunidade de varrer seus rivais.
A existência do segundo turno está presente desde o retorno à democracia, tendo sido inclusive estabelecida anteriormente, durante a discussão da Constituição de 1980, ao ser apresentada como uma lição aprendida com a eleição de Allende em 1970. O argumento era de que, se essa suposta "solução francesa" (referindo-se à Constituição de Charles de Gaulle) tivesse existido, Allende não teria assumido o cargo, pois seus rivais teriam se unido para derrotá-lo. Acima de tudo, Jara pode ter ajudado o futuro político de Boric, já que, se ele deixar o poder com um candidato que mantenha entre um quarto e um terço do eleitorado, por alguém que se aposenta em estado de crise e fracasso, mas que, ao entregar o governo no ano que vem, aos 40 anos, quase certamente poderá se candidatar novamente, e, de fato, ele deixou de governar há meses para se concentrar em seu futuro político, buscando uma espécie de esquerdismo rosa em vez de vermelho, convidando Sánchez, Lula, Orsi e Petro para construir uma alternativa, além de se manifestar sem restrições contra Trump e continuar a fortalecer suas credenciais antissemitas na mesma linha, já que tudo indica que ele quer ocupar o lugar que alguém que ele admira, como Lula, deixará vago devido à idade em um futuro não muito distante, quer vença ou perca a reeleição.
O Chile vivenciou uma verdadeira loteria eleitoral nos últimos anos, com cada eleição produzindo resultados diferentes, uma após a outra. Assim, o país desperdiçou quatro anos, entre 2019 e 2023, em dois processos constitucionais: um plebiscito inicial, dois referendos, duas rejeições e, no fim, o país retornou à estaca zero. Tudo isso foi precipitado pela violência de outubro de 2019, baseada em duas mentiras que, quando acreditadas pelas massas, pavimentaram o caminho para a ascensão de Boric ao poder. Primeiro, que nos 30 anos de sucesso após o retorno à democracia, uma elite "perversa" nada havia feito em benefício do povo. E segundo, que a "Constituição de Pinochet" deveria ser enterrada, quando na realidade havia sofrido tantas modificações que se tornou a Constituição do Presidente Lagos, com sua assinatura.
Durante esses anos, o país passou de tentar mudar tudo a não querer mudar nada, uma ilusão constitucional da qual o Chile foi salvo pelo voto de seus cidadãos, que ensinaram à classe política que, em uma democracia, o voto não pertence a ninguém. É o que relatamos em um livro publicado no ano passado intitulado “Chile e sua Virada de 360 Graus” (Interamerican Institute for Democracy Press, EUA, 2024, 264 páginas), título que se refere ao fato de que, no fim, o país retornou à estaca zero.
O Chile melhorou? Curou-se dessa experiência? Gostaria de dizer que sim, mas não creio, pois nem sequer acho que tenha superado completamente a revolta de outubro e a violência que tanto prejudicou o país e que pôs em risco o próprio sistema democrático.
Além disso, o próprio setor político que governou sob o comando de Bórico durante esses anos e que esteve por trás desse processo já semeou a semente da discórdia. Basta observar o orçamento ainda em discussão para o próximo ano, pois fica claro que alguns programas sociais foram deliberadamente cortados para garantir a agitação social assim que o novo governo assumir o poder. A Revolução de Outubro luta para sobreviver, mas não está morta. Ademais, o centro político praticamente desapareceu e a direita não conseguiu se unir nas melhores condições que teve em muitos anos.
Há decisões que o novo governo poderá tomar facilmente assim que assumir o poder em março de 2026, decisões que se alinham ao novo contexto político emergente na América Latina. Basta observar as mudanças políticas na Bolívia, Argentina, Equador e, com alguma probabilidade, na Venezuela e na Colômbia. Isso inclui a restauração das relações gravemente prejudicadas com países como os EUA e Israel, mas é insuficiente para a tarefa que o Chile tem pela frente, que é recuperar o ritmo de modernização e ascensão social.
No caso dos EUA, talvez o novo governo faça o que Boric se recusou a fazer: oferecer aos EUA um acordo de longo prazo sobre o que Washington mais deseja: elementos de terras raras. A questão fundamental é que vencer uma eleição, independentemente de quem vença na oposição, não basta. O Chile precisa recuperar o que perdeu: a democracia de acordos, buscar consenso por um país melhor, um país que possa progredir em paz social.
Acredito que o Chile precisa aprender com a experiência da Concertación, que não conseguiu se renovar após o sucesso alcançado e acabou desaparecendo. O que o Chile precisa é propor um grande pacto para alcançar o que nenhum outro país da região conseguiu, nem está sendo proposto atualmente: um grande acordo com dois objetivos, e não mais do que dois: desenvolvimento econômico e, politicamente, uma democracia de alta qualidade, focando, assim, em um objetivo e dois propósitos.
Não é que o Chile não tenha tentado no passado. Se analisarmos o século XX, desde a implementação da Constituição de 1925, o Chile teve, entre 1932 e 1973, sucessivamente, diferentes tipos de governo. Teve Arturo Alessandri durante uma restauração civil após a ditadura do General Ibáñez; depois, entre 1939 e 1952, houve três governos de classe média, uma das únicas três experiências de Frente Popular no mundo, sendo as outras duas desastrosas: a Espanha em sua guerra civil e a França em sua humilhante derrota para a Alemanha. Posteriormente, em 1952, o General Ibáñez retornou ao poder em uma rara experiência populista ao estilo chileno, mas desta vez exerceu o poder de maneira impecavelmente democrática, sendo substituído pelo único que poderíamos considerar de direita nesse período, Jorge Alessandri, que por sua vez foi sucedido pela “revolução em liberdade” de Eduardo Frei Montalva, que então entregou a faixa presidencial a Salvador Allende, que em 1973 foi deposto, sem que o Chile ainda conseguisse superar completamente as violações dos direitos humanos ocorridas durante a ditadura de Augusto Pinochet.
O Chile teve uma transição bem-sucedida para a democracia, mas se perdeu no caminho. Espera-se que aprenda a recuperar o tempo perdido, mas será preciso mais do que apenas gestão para superar os contratempos sofridos. Não basta governar um pouco melhor do que aqueles que não tiveram sucessos demonstráveis nem continuidade política.
O país está exausto de experiências; há estagnação e uma nova narrativa é necessária — algo pelo qual as pessoas sintam que vale a pena se sacrificar. Antes de mais nada, não devemos nos iludir com vitórias no segundo turno, pois as evidências mostram que, no segundo turno, surgem votos emprestados, votos dados como o menos pior. Em muitos casos, as pessoas votam contra alguém que não querem, em vez de votarem voluntariamente em quem as recebe. Na prática, há autoengano em jogo, porque junto com a vitória vem a fragilidade, que é mais um motivo pelo qual uma nova narrativa deve ser buscada — uma que motive, e não apenas que force.
@israelzipper
Mestrado e doutorado em Ciência Política (Universidade de Essex), bacharel em Direito (Universidade de Barcelona), advogado (Universidade do Chile), ex-candidato à presidência (Chile, 2013)
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