Quanto tempo durará a trégua sino-americana?

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 28/10/2025


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O presidente Trump anunciou aos repórteres que o acompanhavam em viagem à Ásia a finalização de um acordo com a China, explicando: "Queremos fechar um acordo, e eles também querem". E ele certamente não está errado quanto a isso. Mas, como o diabo mora nos detalhes, o conteúdo de um acordo, tanto para os Estados Unidos quanto para a China, precisa ser analisado minuciosamente.

Para os Estados Unidos, um acordo significa restringir a transferência de tecnologia de seu território para a China, impedindo-a de avançar no campo da inteligência artificial, obter acesso a elementos de terras raras usados ​​na fabricação de semicondutores e microprocessadores e, claro, respeitar a independência de Taiwan. Para a China, um acordo significa consolidar seu status como potência no Oriente; respeitar seu direito de comercializar com quem quiser, como e quando quiser, e cessar as provocações a Taiwan.

É evidente que, embora existam duas áreas em que um acordo possa ser alcançado, a questão de Taiwan é insolúvel. Para os Estados Unidos, Taiwan é uma nação independente, enquanto para a China, é uma província. Essa divergência não é recente. Sempre esteve na agenda americana. Já na época de Kissinger, os Estados Unidos tentaram incluir o status de nação livre para Taiwan nos acordos que iniciaram as relações entre os dois países. E esse foi o único parágrafo de discordância, poucas horas antes da viagem do presidente Richard Nixon. Uma conversa entre Kissinger e Zhou Enlai resolveu a disputa. A China prometeu não atacar Taiwan e permitir que os Estados Unidos mantivessem relações diplomáticas com o país. Segundo Zhou, a disputa teria que ser resolvida em 100 anos, quando ninguém na China se lembraria de passar as férias de verão em Taiwan.

Se Trump seguisse o caminho trilhado por Kissinger e Zhou, reafirmaria o compromisso da década de 1960 e se concentraria em identificar as áreas onde a interdependência econômica serve para reforçar esta nova fase de crescimento dos EUA. Uma dessas áreas tem a ver com o custo de vida nos Estados Unidos. As classes médias norte-americanas e europeias se beneficiaram de 25 anos de estabilidade de preços graças à vasta fábrica chinesa dedicada a produzir tudo o que precisamos para vestir e mobiliar nossas casas a preços impossíveis de replicar nos Estados Unidos ou na Europa. Isso também permitiu que os Estados Unidos aprofundassem sua especialização na economia digital. Agora, a China parece ter assumido a liderança em uma área que os Estados Unidos dominam desde o período pós-guerra: a fabricação de automóveis. O mesmo se aplica aos computadores. Um acordo entre as duas nações para produzir automóveis sino-americanos impulsionaria a indústria tanto na China quanto nos Estados Unidos.

Paralisar todo o setor de transportes seria uma forma de evitar os problemas políticos que a dimensão econômica parece prenunciar. Isso porque, em ambas as nações, o contrato social está se deteriorando. Nos Estados Unidos, graças a duas crises financeiras que destruíram boa parte das economias da classe média, como o estouro da bolha da internet em 2000 e a bolha imobiliária em 2008. Na China, a situação também não está melhorando. A bolha imobiliária destruiu 25% das economias chinesas. E a população havia decidido tolerar limitações à sua liberdade política, desde que houvesse crescimento e progresso econômico. Mas isso não está acontecendo. A taxa de crescimento da China hoje é de 5%. Essa taxa é irrisória se comparada aos 10% registrados antes da COVID-19.

Mas construir pontes sobre as águas da interdependência exige tempo e uma mudança na narrativa entre as duas nações, que há uma década se chamam mutuamente de "perigo vermelho" e "leão voraz". Uma mudança na retórica, porém, não seria bem recebida pelos membros do movimento MAGA, que acreditam que a fabricação de roupas, eletrodomésticos e móveis deve retornar aos Estados Unidos e que a China deve ser combatida por representar um perigo vermelho.

Portanto, o que será assinado agora é simplesmente uma trégua na qual os Estados Unidos estabelecem um nível de tarifas por um ou dois anos; a China restabelece suas compras agrícolas do Meio-Oeste e liberaliza brevemente as exportações de terras raras, enquanto a Casa Branca autoriza o Vale do Silício a vender microprocessadores para a China, assumindo uma participação acionária americana no negócio.

E a trégua provavelmente se manterá até que aconteça o que todos os analistas temem: uma correção nos mercados de capitais. E, com base nos dados que vimos, esse desfecho parece iminente. Isso porque, atualmente, 90% do crescimento do mercado de ações e 40% do PIB dos EUA são impulsionados por empresas que desenvolvem inteligência artificial. Essas proporções são insustentáveis, dados os níveis de demanda por IA. Portanto, o que se faz necessário é um acordo que aprofunde a interdependência para reacender os motores do crescimento. Pois a renovação dos respectivos contratos sociais depende disso.


As opiniões aqui publicadas são de inteira responsabilidade de seus autores.