O Grupo Andino sob o signo do caos e da esperança

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 22/10/2025


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A eleição de Rodrigo Paz como presidente da Bolívia após dezenove anos de governo do MAS sob Evo Morales e Luis Arce é vista por muitos analistas, inclusive eu, como um sinal de esperança. Além das qualidades individuais de Rodrigo Paz, a sucessão ao autoritarismo exige duas qualidades políticas de liderança. A primeira é o discernimento de prioridades. Ou seja, decidir com sabedoria o que fazer primeiro e o que fazer em seguida. Hoje, está claro para todos que o povo boliviano clamou por liberdade. Após duas décadas de sectarismo político, impunidade para os que estão no poder e caos econômico, o povo boliviano anseia pelos dias monótonos em que havia dólares no Banco Central, as reservas de gás estavam crescendo, não era necessário apresentar um cartão do partido para realizar qualquer transação com autoridades estatais e a narrativa política era inclusiva. Exemplos disso foram os slogans de campanha e as linhas de governo central de Victor Paz Estenssoro, Hernan Siles Suazo e Gonzalo Sanchez de Lozada. Para eles, o progresso da Bolívia seria alcançado por meio da liberdade e da educação, e ambos os ingredientes foram empregados em suas administrações. Rodrigo Paz vem dessa formação, mas acrescenta ao seu portfólio de habilidades o fato de ter sido prefeito. Os prefeitos são a fronteira entre o Estado e o povo e, portanto, sabem ler o coração das pessoas. Um prefeito prioriza as aspirações da comunidade sobre as das elites. E essa virtude é essencial nas transições do autoritarismo para a democracia. Devemos lembrar aqui o governo de grande sucesso de Rómulo Betancourt na Venezuela. Soma-se a isso o fato de que Rodrigo Paz teve que intervir em muitas negociações políticas para garantir a governabilidade de sua região quando era prefeito. Essa qualidade também lhe servirá bem para estabilizar uma nação entorpecida pela fome e pelo terror, onde ninguém confia em ninguém. Ele terá então que reconstruir a confiança entre aqueles que governam e aqueles que são governados. E, claro, o desafio econômico que Paz enfrentará não pode ser subestimado. Mas se conseguir unir os bolivianos sob a bandeira da liberdade na democracia, a economia boliviana poderá se recuperar aproveitando suas reservas de lítio, elementos de terras raras e gás.

No Peru, por outro lado, a porta giratória instalada na presidência pelas elites políticas pode estar mostrando sinais de esgotamento. Desde 2022, o país tem sido abalado por protestos massivos (alguns violentos) contra um sistema que falhou com as massas de duas maneiras. Primeiro, a liberdade. O povo peruano se sente sobrecarregado por regulamentações excessivas que sufocam sua capacidade empreendedora, impedindo-o de desenvolver pequenos negócios bem-sucedidos. Segundo, o Peru não conseguiu desenvolver sua classe média, apesar de seu desempenho econômico estar talvez entre os líderes da América Latina. De acordo com a OCDE, o Peru atingiu uma taxa média de crescimento anual do PIB de 5,1% entre 2000 e 2019, bem acima de seus pares latino-americanos. Mas isso não se traduziu em maior prosperidade para as camadas de baixa renda. De fato, entre 27% e 29% da população vive na pobreza e 70% da força de trabalho está envolvida na economia informal. É bem sabido que o trabalho informal prende gerações inteiras à pobreza e as impede de prosperar. E embora o Peru tenha construído bases macroeconômicas sólidas — baixa dívida pública (em termos relativos) e reservas consideráveis ​​—, não desenvolveu serviços públicos de qualidade que atendam ao progresso humano de sua população. Em termos de concentração de riqueza, apenas a Colômbia supera o Peru, cujo coeficiente de Gini é de 40,7. O 1% mais rico dos peruanos controla quase um terço da renda do país, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas cerca de 6%. A COVID-19 evidenciou essas deficiências do sistema político peruano, e estamos vendo que a estratégia das elites de prender presidentes para acalmar as ansiedades populares já entrou na fase de retornos decrescentes.

Na primavera de 2026, o Peru terá que eleger um novo chefe de Estado. E se até lá não surgir uma força política com visão suficiente para unir a multidão de movimentos participantes em uma coalizão pró-democracia, o resultado será uma presidência frágil, um Congresso que invade os poderes do Executivo e um país paralisado pelo descontentamento popular. Nessas condições, a economia poderá sofrer e o país poderá entrar em um período de crise que poderá degenerar em violência incontrolável. Essa situação certamente terá um impacto negativo no Equador e na Bolívia.


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