Liberdade de imprensa: paraíso perdido?

José Azel

Por: José Azel - 22/05/2023


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John Milton, poeta e homem de letras, é mais conhecido por seu poema Paradise Lost, de 1667. Mas é Areopagitica (1644), de Milton, que se destaca como a defesa mais sincera e influente da liberdade de expressão e de imprensa. A influência de Milton é evidente na Constituição dos Estados Unidos, e a Suprema Corte citou a Areopagitica em várias decisões endossando a liberdade de expressão.

Milton desenvolveu argumentos que mais tarde seriam usados ​​pelos defensores de uma imprensa livre. Em Areopagitica, Milton adverte que ameaçar censurar algo antes da publicação interferiria na busca pela verdade. Ele argumentou veementemente contra uma lei que exigia que os autores tivessem uma licença do governo antes de publicar seus trabalhos. E afirmou que “a liberdade de saber, pronunciar-se e discutir livremente segundo a consciência está acima de todas as liberdades”.

Em nossos tempos, o World Freedom Index, compilado pelos Repórteres Sem Fronteiras, avalia a cada ano o estado do jornalismo em 180 territórios. Seu relatório de 2019 mostra que apenas 8% dos países avaliados podem ser classificados como tendo uma situação “boa” de liberdade de imprensa, seguidos por 16% “satisfatória”, 37% “problemática”, 29% “difícil” e 11% como “muito sério". Apenas 24% dos países classificam como bom ou satisfatório, uma queda de dois pontos percentuais em relação a 2018.

Noruega, Suécia, Holanda, Finlândia e Suíça ocupam os cinco primeiros lugares, com os Estados Unidos caindo três posições, para o 48º lugar.Nas Américas, a Jamaica tem o maior índice e Cuba o menor, com a posição número 169.

Outro relatório, The Freedom of the Press, compilado pela Freedom House, revela um padrão semelhante. Apenas 13% da população mundial tem imprensa livre; a liberdade de imprensa mundial caiu para seu ponto mais baixo em 13 anos.

Não é surpreendente que regimes autoritários-totalitários como Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba e outros continuem a ter controle sobre a mídia nacional. O mais preocupante é que os políticos em países democráticos minam a mídia tradicional ao exercer influência sobre as emissoras públicas.

Por exemplo, os governos de Viktor Orbán na Hungria e Aleksandar Vucic na Sérvia consolidaram a propriedade da mídia nas mãos de seus comparsas. Na Hungria, quase 80% da mídia pertence a aliados do governo.

Nos Estados Unidos, a guerra do presidente Trump contra a mídia é bem conhecida. Mas considere abaixo uma lista de pronunciamentos de outros líderes eleitos democraticamente, de acordo com a Freedom House:

Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia: "Eles deveriam conhecer seu lugar... Mulheres militantes sem vergonha disfarçadas de jornalistas."

Jacob Zuma, presidente da África do Sul: "Discuti com [a mídia] que eles nunca foram eleitos, nós fomos eleitos e podemos dizer que representamos o povo."

Roberto Fico, primeiro-ministro da Eslováquia: "Alguns de vocês [jornalistas] são prostitutas sujas e antieslovacas."

Jaroslaw Kaczynski, que serviu como primeiro-ministro da Polônia, afirmou que o maior jornal da Polônia era "contra a própria noção de nação".

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, usou sua página no Facebook para atacar jornalistas investigativos e foi acusado de conluio com proprietários de mídia para receber cobertura favorável.

O presidente filipino, Rodrigo Duarte, proferiu insultos e ameaças de morte contra jornalistas.

Esta não é uma lista de declarações de ditadores, mas de líderes eleitos democraticamente que pensam que os cidadãos não são capazes de usar a sua razão para distinguir o bom jornalismo do mau.

Um princípio essencial da democracia é que, quando as pessoas discutem abertamente, os melhores argumentos prevalecem. Como argumentou John Milton, devemos ter acesso irrestrito às idéias de nossos concidadãos em "reuniões livres e abertas". Para permanecerem viáveis, as democracias devem promover um mercado de ideias, garantindo que a liberdade de imprensa não se torne um paraíso democrático perdido.


As opiniões aqui publicadas são de inteira responsabilidade de seus autores.