Bolívia, com o crime não há negociação nem eleições

Hugo Marcelo Balderrama

Por: Hugo Marcelo Balderrama - 31/03/2024

Colunista convidado.
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Estamos encerrando o primeiro trimestre de 2024, a situação na Bolívia tornou-se insuportável para a maioria da população, exceto, obviamente, para aqueles que vivem sob o sistema ditatorial. Sem dólares, sem medicamentos e sem combustível, é impossível sustentar a história.

Por sua vez, os adversários iniciaram uma corrida para se posicionarem na opinião pública como salvação e esperança. Você vê de tudo, desde dinossauros, Carlos Mesa, o principal, até muitos imitadores de Javier Milei. Em situações normais, que implicam a validade das condições democráticas, a proliferação de tantas opções partidárias seria uma alegria. Contudo, a Bolívia está longe de ser normal, pois numa ditadura as eleições nada mais são do que meros teatros onde as pessoas votam sem escolher.

Porém, como agravante, creio que ninguém conseguiu fazer a pergunta fundamental: Quem estamos enfrentando?

Uma máxima da estratégia diz que nenhum plano funciona se não identificarmos o inimigo. Então, temos que ver quem é esse inimigo, já que tudo costuma se reduzir a uma disputa de ideias ou, a tão em voga, batalha cultural. Mas não, é mais complexo que isso, vamos ver.

Em 1953, Nikita Khrushchev, então presidente da URSS, perguntou ao seu aparelho de inteligência: “Em que cenário pode a União Soviética derrotar militarmente os Estados Unidos?” A resposta foi: “Nenhum”.

Obviamente, os membros do Politburo ficaram nervosos, até que alguém lhes disse: “Não militarmente, mas com o dinheiro e o caos que as máfias e os traficantes de drogas podem gerar”. A partir desse momento, os soviéticos tiveram a missão de se inserir no mundo do submundo, das gangues e do tráfico de drogas. O Serviço de Inteligência Cubano (G2) foi designado como aliado estratégico para executar o plano na América Latina e nos Estados Unidos.

Com efeito, como muito bem descreve o escritor Nicolás Márquez, La Tricontinental, convocada em Janeiro de 1966 por Fidel Castro, foi a origem de todos os processos desestabilizadores da região, entre eles, as guerrilhas e a ditadura comunista de Salvador Allende. A respeito deste último, Márquez relata que de 1970 a 1973 o Chile se tornou o principal produtor de cocaína da América do Sul. Além disso, após a queda do ditador, as autoridades norte-americanas apreenderam cocaína avaliada em 309 milhões de dólares.

Mas vamos dar um salto no tempo e no espaço para nos situarmos na atual Bolívia, já que o país deixou de ser uma rota de trânsito para se tornar um Narco-Estado. A este respeito, o grupo InSight Crime, jornalistas e investigadores especializados em tráfico de drogas e crime transnacional, afirma o seguinte:

A Bolívia tem a maior indústria legal de folha de coca do mundo e o seu papel no tráfico regional de drogas tem-se concentrado tradicionalmente em servir como ponto de trânsito para a cocaína peruana e na exportação de pasta base de cocaína. Mas, nos últimos anos, as apreensões de cloridrato de cocaína aumentaram, apesar de as autoridades não terem melhorado as suas capacidades ou estratégias contra o crime organizado. Segundo dados da FELCN, a quantidade apreendida passou de 5,8 toneladas em 2020, para 7,8 em 2021, 10,2 em 2022 e 21,3 em 2023. Em 2022, as apreensões de cloridrato ultrapassaram pela primeira vez as de pasta base em quase 1% e em 2023 atingiram uma diferença de 59%, indicando maior presença desta substância no território nacional. Neste cenário, o governo estima que 90% dos laboratórios de medicamentos estão localizados em Chapare, no departamento de Cochabamba, onde a FELCN realiza a maior parte das suas operações.

Por sua vez, Gabriela Reyes, criminologista, afirma que:

Um Estado é cooptado pelo narcotráfico quando o narcotráfico pode agir impunemente em todos os níveis, e isso é algo que começa a ser visto na Bolívia de forma muito evidente. O tráfico de drogas é ter poder na justiça, na política, é influenciar a forma como certas decisões são tomadas, na manutenção da impunidade.

Respondendo assim à pergunta que abriu esta nota: não estamos a enfrentar rivais políticos, mas sim grupos de bandidos que tomaram o poder e instalaram uma ditadura, e que estão dispostos a exercer a mais cruel violência para se sustentarem. Não é uma batalha cultural ou um debate de ideias, mas uma luta pela sobrevivência.


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