Alemanha e os custos da guerra

Mariano Caucino

Por: Mariano Caucino - 27/09/2023


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Dezanove meses após o início da guerra ucraniana, o conflito parece destinado a mostrar a interdependência entre os factores geopolíticos e o futuro económico dos países. Uma realidade que não escapa nem às economias mais desenvolvidas do mundo.

Desde Fevereiro de 2022, a Europa tem sido afectada pelo aumento dos preços da energia, perturbações nos mercados financeiros e uma contracção na Rússia e na Ucrânia, dois destinos importantes para as exportações da União Europeia. É a este nível que a Alemanha – nada menos que a quarta maior economia mundial – tornou-se provavelmente o país mais afectado pelo conflito.

Já em Fevereiro, no primeiro aniversário da guerra, um relatório do Instituto Alemão de Investigação Económica (DIW) observou que o conflito e o aumento dos custos da energia causaram uma queda de 2,5% no PIB alemão e que o país enfrentava uma recessão. .

Entretanto, um inquérito realizado pelo Deutschlandtrend Survey, publicado pela DW em Maio, indicou que a guerra, a inflação e uma “distribuição justa dos encargos financeiros” eram as maiores preocupações do povo alemão. De acordo com as suas medições, o apoio à NATO variou geograficamente, com 40 por cento dos alemães orientais a acreditar que o fornecimento de armas à Ucrânia tinha ido longe demais, enquanto 34 por cento pensavam que as sanções contra a Rússia tinham sido excessivamente duras, causando danos económicos à Alemanha.

Mas como pôde o país mais poderoso da Europa ser tão afetado?

No início do conflito, Berlim parecia procurar uma fórmula para conciliar as exigências da sua adesão à NATO com os interesses derivados da aliança económica russo-alemã. Portanto, nos estágios iniciais da guerra, ele tentou atrasar o fornecimento de tanques de combate a Kiev, destacando as diferenças que os aliados mantêm sobre a assistência ao governo de Volodymyr Zelensky.

Mas a atitude prudente do chanceler Olaf Scholz acabou por não resistir à pressão dos seus aliados quanto à necessidade de enviar o Leopard 2, considerado altamente eficaz para a contra-ofensiva contra a Rússia.

Suas táticas, porém, não deixaram de suscitar críticas. Especialmente porque em todos os momentos a Alemanha foi vista como o membro mais relutante na oferta ilimitada que Kiev procura. A tal ponto que o conflito apresentou um dilema férreo nesta instância crucial que colocou sob tensão as relações estratégicas russo-alemãs.

Desde a década de 70, os governos alemães – de Willie Brandt a Angela Merkel – têm procurado alguma fórmula de entendimento com o seu vizinho gigante. Ao extremo que o comportamento internacional do Kremlin representou um enorme desafio, baseado na sua dependência das importações de gás russo, uma realidade que não escapou a outros países da UE.

Até à guerra, a Rússia fornecia quarenta por cento do gás utilizado pelo bloco e mais de vinte e cinco por cento das importações de petróleo. Uma realidade angustiante que acelerou o debate sobre a sua política energética. A ponto de pôr em causa o legado histórico de Merkel, que, impulsionada pelas necessidades políticas internas e procurando seduzir os “verdes”, limitou o uso da energia nuclear. Com as consequências do aprofundamento da maior dependência do gás russo. Isto pôde ser visto com a construção dos gasodutos Nord Stream, talvez a expressão mais recente da complementaridade económica russo-alemã.

Mas, a rigor, essa política não era outra senão a continuidade desse eixo económico, que se baseia em razões geográficas, complementares e apoiada nas duras lições das guerras do passado. Mas aquele que foi colocado em debate mais uma vez. Entretanto, sempre despertou as preocupações das potências atlânticas.

É neste quadro histórico, no contexto de uma crescente interdependência entre factores geopolíticos, que a realidade parece profundamente complicada, mesmo para a vigorosa economia alemã.

Grande demais para a Europa, mas pequena demais para o mundo - como disse Henry Kissinger - a Alemanha talvez não pudesse escapar ao sinal dos tempos. Ser pego em uma briga entre potências maiores. Num mundo marcado pelo declínio das relações entre os principais atores do sistema e que, levado às suas conclusões mais extremas, poderá convergir na formação de uma espécie de ordem bipolar entre os EUA e a China. Em que a Europa e a Rússia verão acentuada a sua respectiva dependência dos americanos e dos chineses.

A tal ponto que, aparentemente, se configurou um contexto inevitável. Em que mesmo a nação mais poderosa da Europa foi subitamente incapaz de resistir à tendência da época. Em que a Alemanha parece ter sido reservada a categoria de país mais afectado pela guerra ucraniana. Não podendo, desta vez, agarrar-se àquela máxima de Bismarck que prescrevia que a paz da Europa dependia de nunca entrar em guerra com a Rússia.

Mariano A. Caucino é especialista em relações internacionais. Ex-embaixador em Israel e Costa Rica. Membro do Instituto Interamericano para a Democracia.


As opiniões aqui publicadas são de inteira responsabilidade de seus autores.