A democracia floresce em Santa Cruz de la Sierra

Beatrice E. Rangel

Por: Beatrice E. Rangel - 11/08/2022


Compartilhar:    Share in whatsapp

A Bolívia faz parte do meu metabolismo afetivo desde que foi a casa dos meus pais durante a ditadura de Marcos Pérez Jiménez. Ao longo dos anos, a Venezuela foi o refúgio do presidente Hernán Siles Zuazo, que recebemos em casa e dele aprendemos as duras ações dos descendentes dos incas.

Por isso, ao longo de minha vida acompanhei com interesse e carinho o futuro dessa nação que fica no coração da América do Sul. E como tal hoje a partir de seu epicentro pulsam tempos de mudança. E eles vêm da região que deu origem ao desenvolvimento. Esta é Santa Cruz, uma cidade e região da Bolívia que encerra as virtudes da ética do trabalho, criação de riqueza, atitude empreendedora e enfrentamento das adversidades. Santa Cruz produz 30% do PIB da Bolívia e produziu a maior proporção da classe média do país desde a década de 1960.

Hoje Santa Cruz de la Sierra lidera um feito que terá consequências para a democracia latino-americana. Porque toda a região decidiu pôr fim à conspiração que em muitos países esvaziou os fundamentos do sistema democrático ao impedir o exercício do direito à autodeterminação. Porque ao contrário do que muitos acreditam na América Latina, o direito à autodeterminação não é apenas ameaçado pela prática de perseguição política realizada pelos regimes socialistas do século XXI, mas também pela presença de uma aguda debilidade institucional que impede a os servidores atuam como administradores do patrimônio nacional e, portanto, como guardiões dos bens que permitem a prestação de serviços públicos. Um desses serviços públicos é a identidade dos cidadãos. Para administrá-lo é necessária a existência de estatísticas claras e exatas. Estes são obtidos através de censos. E na Bolívia em 2022 foi necessário realizar um censo populacional para extrair os dados que permitirão a elaboração do caderno eleitoral.

E o governo de Luis Arce decidiu encerrar o censo entre outras razões para manter o perfil de eleitores que lhe daria a vitória eleitoral. Como as pesquisas não são exatamente favoráveis, o regime decidiu modificar o perfil da população.

E os habitantes de Santa Cruz decidiram não aceitar essa manipulação. Toda a região se levantou em protesto cívico não violento. Participou da paralisação dos trabalhos e continuará protestando até enfraquecer o governo Arce e muito possivelmente sofrer as consequências que serão repressão, prisão e tortura. Mas nada disso fará o povo de Santa Cruz recuar porque, como disse um participante da proposta, “eles começam tirando nossa identidade e depois vão tirando nossa família; trabalho e país. Porque em Santa Cruz não se trata de voltar ao status quo ex ante Evo Morales, mas de implantar uma sociedade democrática onde a sociedade civil seja a principal protagonista. E isso acontece depois que outra sociedade civil assumiu a defesa da democracia no Chile e a do Brasil criou, por meio do voto, um sistema de freios e contrapesos que revigoraria o jogo democrático. Como se houvesse motivos para ter esperança.

"As opiniões aqui publicadas são de responsabilidade exclusiva de seu autor."


As opiniões aqui publicadas são de inteira responsabilidade de seus autores.